Um projeto de lei que garante a policiais militares o acesso
irrestrito a dados pessoais de qualquer cidadão brasileiro foi incluído
na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara. De autoria do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), coronel reformado
da Polícia Militar do Distrito Federal, o PL 4893/2016 já passou pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara e tramita em caráter conclusivo na CCJ.
A redação do projeto prevê “acesso irrestrito, pelos integrantes das
polícias militares, a todos os sistemas de informações sobre cidadãos,
tais como: sistemas de identificação civil, sistema de identificação
eleitoral, sistema de cadastro de pessoa física, entre outros”. Mais
adiante, o texto diz que os dados só poderiam ser acessados “para o
cumprimento das tarefas de segurança pública”. Na justificativa, o
deputado escreve que “uma das formas de usar a tecnologia em favor do
combate ao crime é conceder, às polícias militares, o acesso aos
sistemas de dos cidadãos” e finaliza depois afirmando que é
“imprescindível que as forças policiais militares tenham acesso a todo e
qualquer sistema de informações sobre cidadãos”.
A proposta do deputado invade a privacidade dos cidadãos, além de
oferecer poder excessivo a policiais militares ao deixar de exigir
autorização judicial para obtenção de dados, como é necessário hoje. O
Marco Civil da Internet prevê a proteção dos dados pessoais e a
inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas,
salvo por ordem judicial, como lembra Omar Kaminski, advogado e gestor
do Observatório do Marco Civil da Internet, em entrevista concedida ao Gizmodo Brasil por email.
Kaminski afirma ainda que “a priori, o projeto de lei tratam-se de
dados cadastrais e não de dados pessoais” e aponta que autoridades
policiais clamam há bastante tempo que a necessidade de ordem judicial
para a obtenção de determinadas informações atrasa ou mesmo inviabiliza
as investigações de crimes. “Diante da ausência de uma legislação que
defina e faça a distinção de forma apropriada entre dados pessoais e
dados cadastrais, pode-se prever a possibilidade de ocorrência de abusos
e ilegalidades caso alguns limites não sejam estabelecidos. Há a
necessidade de treinamento, orientação e fiscalização por parte dos
órgãos competentes”, afirma.
Para Joana Varon, diretora do Coding Rights e integrante da Coalizão
Direitos na Rede, o buraco é mais em baixo. “Considero a proposta do
deputado inconstitucional, pelo fato de dar acesso irrestrito para as
polícias militares, que não têm nada a ver com as competências de
investigação. A polícia militar não faz parte da polícia judiciária
[suas atribuições são de responsabilidade das Polícias Civis e da
Polícia Federal], ela tem outras competências”, afirma.
Kaminski dá um bom exemplo sobre os abusos de poder que uma
legislação como essa poderia criar. “Prefiro acreditar que os policiais
militares, em sua maioria, cumprem e observam os ditames legais. Porém,
existem abusos e ilegalidades aqui e acolá, como nos crescentes casos de
apreensão de aparelhos celulares e devassa nos conteúdos (dados
pessoais), especialmente em flagrantes por tráfico de entorpecentes,
algo que só poderia ocorrer mediante ordem judicial segundo o Marco
Civil da Internet. A jurisprudência tem sido unânime nesse sentido,
inclusive no STJ”.
Se for aprovado, o PL 4893/2016 não precisará de votação no plenário
da Câmara e seguirá para deliberação no Senado. Para que seja analisado
em plenário, é preciso apresentar um recurso com assinatura de pelo
menos 51 deputados. De acordo com o Congresso em Foco, a matéria já tem relatório pronto, mas ainda não foi lido na CCJ.
O relator, Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA), redigiu voto pela
constitucionalidade, mas sugeriu alteração na redação: “No sentido de
que como está redigido originariamente com os termos ‘fica assegurado o
acesso irrestrito, pelos integrantes das polícias militares’ parece-nos
que tal assertiva deixa margem deveras aberta ao entendimento de que
dessa forma todo e qualquer policial militar está autorizado ao acesso
de informações dos cidadãos”.
Independente de quais policiais militares seriam autorizados a
acessar informações, a ideia de disponibilizar os dados para a
corporação já carrega problemas, como a questão de competências apontada
anteriormente. Além disso, o Brasil ainda não possui uma lei de
proteção de dados, como apontamos outras vezes.
O PL 5276/2016, hoje anexado ao PL 4060/2012, aguarda parecer do
relator em Comissão Especial da Câmara e está travado. Sem uma
legislação como essa, é difícil exigir limitações e instrumentos de
controle civil para a produção de relatórios e transparência para que a
sociedade saiba a finalidade e uso de dados coletados, principalmente
por órgãos governamentais.
Fonte: gizmodo