O Google pesquisou o panorama publicitário que domina
e determinou que está na hora de uma mudança. Começando em janeiro, o
seu navegador, o Chrome, bloqueará publicidades em vídeo que reproduzem
som automaticamente. O esforço está sendo colocado como um possível
caminho para uma limpeza da web, mas poderia ser facilmente interpretado
como uma iniciativa disfarçada para solidificar ainda mais o monopólio
da empresa.
Em abril deste ano, o Wall Street Journal noticiou que o Google estava planejando adotar a lista de padrões
da Coalition for Better Ads (Aliança por melhores anúncios, em tradução
livre) e aplicá-los a um filtro embutido no Chrome. As diretrizes
alertam contra a utilização de formatos irritantes, como grandes banners
e os vídeos de reprodução automática com som. Em junho, a gigante das
buscas confirmou que iria seguir em frente com o seu próprio bloqueador de anúncios no começo de 2018. Uma publicação no blog
nesta quinta-feira (14) anunciando as mudanças na reprodução automática
parece ser o começo de uma série de novidades que devem bloquear quatro
tipos de publicidades graves no computador e no celular.
Em outubro, o Chrome 63 irá adicionar uma opção para os usuários
desabilitarem completamente o som em sites de sua escolha. Essa
atualização será seguida pela iniciação de novas políticas de autorreprodução
na versão do navegador a ser lançada em janeiro. O Chrome irá bloquear
automaticamente os vídeos publicitários a não ser que o áudio esteja no
mudo, ou que não tenha nenhum som. Se o usuário tocar ou clicar em algum
lugar do site durante a sessão do navegador, o vídeo será ativado. Uma
lista de permissões estará disponível para usuários de smartphone, ao
adicionar um website na tela inicial, e, em um computador, o vídeo será
habilitado se o usuário “tocar frequentemente a mídia inclusa no site”,
baseado nos padrões destacados no Media Engagement Index.
Existem algumas maneiras de se olhar para esse desenvolvimento. Por
um lado, a publicidade na internet precisa mudar, as pessoas a odeiam, e
eles estão fazendo o melhor para contornar isso. Isso é ruim para
publicadores e para anunciantes; publicadores precisam de receita, e
anunciantes não querem que você associe um produto com aquela hora que
se assustou no escritório por causa de um anúncio estridente. Mas também
há a preocupação real de que o Google esteja preparando o terreno para
assumir as poucas partes da publicidade digital que ainda não controla.
Um relatório
do Interactive Advertising Bureau de julho passado descobriu que 26%
dos usuários de computadores e 15% dos usuários de celulares já estão
utilizando alguma forma de bloqueador de anúncios, e enquanto
marqueteiros contra-atacam esse esforço com estratégias mais agressivas,
esses números certamente continuarão a crescer. O Google ganha bilhões
com publicidade e sabe que isso não é bom para o seu futuro. Também não é
bom para a web financiada a partir de anúncios. Goste ou não, a maioria
dos sites sobrevivem com dinheiro de publicidade, e haverá cada vez
menos conteúdo gratuito se os anúncios não forem entregues aos usuários.
De acordo com a empresa de análise online StatCounter, o Chrome controla pouco mais do que 54% do mercado
mundial de navegadores. O Safari é o seu competidor mais próximo, com
14%. O Google é, basicamente, a única entidade com o poder de incomodar
anunciantes para que criem uma experiência de navegação menos abrasiva. A
maioria das pessoas não vai até as configurações do navegador para
fazer ajustes, nem mesmo sabem que podem fazer isso. Muitos sites irão
resistir de primeira, mas quando verem suas estatísticas caírem com o
tempo, irão consentir.
Menos publicidade irritante significa menos pessoas as desligando,
mais receita para publicadores, mais impressões para anunciantes e uma
navegação mais agradável. Isso, pelo que parece, é bom para todos.
Infelizmente, o esforço em bloquear anúncios da empresa se torna muito
mais problemático, já que nossa maior preocupação está se concretizando:
o Google está montando sua própria lista de “boas” publicações.
Quando a funcionalidade de bloqueio de anúncio foi anunciada, estávamos esperançosos
de que essa iniciativa poderia ter um desenvolvimento positivo. Uma das
nossas principais áreas de preocupação era a possibilidade de que o
Google pudesse implementar uma lista de “Anúncios Aceitáveis” na qual os
sites poderiam pagar para fazer parte. O Google, junto com outras
gigantes de mídia como Amazon e Microsoft, aparentemente paga ao Adblock Plus para incluir seus serviços em uma lista de permissões. Uma empresa não identificada disse ao Financial Times
em 2015 que a quantia era “equivalente a 30% das receitas adicionais
vindas da publicidade que fosse desbloqueada”. O Google está
implementando um programa similar chamado Funding Choices
(Escolhas de Financiamento, em tradução livre), que permite que sites
aprovados mostrem pop-ups aos usuários que visitam suas páginas. Um
usuário tem a opção de desligar o software de bloqueio de anúncios
desenvolvidos por terceiros ou pagar uma quantia para ter uma
experiência sem publicidade por meio do programa Google Contributor. Essa opção é, simultaneamente, animadora e extremamente problemática.
O programa do Google, na teoria, é uma opção melhor do que a que o
Adblock Plus oferece. Em vez de dizer aos sites, “iremos pegar uma
porção do dinheiro que o nosso serviço ‘roubaria’ de você”, o Google
Contributor está dizendo: “Aqui está uma maneira de recuperar a perda de
receita daqueles usuários que estão dispostos a pagá-lo”. Mas o Adblock
Plus é uma empresa muito menor do que o Google e não está incorporado
em praticamente todas as facetas da vida digital. Eu fico muito mais
confortável com empresas pequenas e independentes tendo o controle de
uma lista de permissões do que com uma força incontrolável como a do
Google, segurando todas as cartas do jogo.
É fácil interpretar que as mudanças que o Google está realizando são
uma tentativa de matar os serviços de bloqueio de publicidade de
terceiros e, simultaneamente, ganhar o poder de bloquear os anúncios de
seus competidores. De acordo com um relatório
da eMarketer, o Google controla 75,8% do mercado de pesquisa
patrocinada e 40,7% do mercado de publicidade digital dos Estados
Unidos. Vindo em segundo lugar está o Facebook, com 19,7% do mercado de
publicidade digital nos Estados Unidos. E ambas as companhias fazem
parte do Coalition for Better Ads,
a organização que está definindo os padrões para publicidades
aceitáveis no Chrome. Mark Patterson, acadêmico da área jurídica da
Universidade Fordham e autor de Antitrust Law in the New Economy (Lei Antitruste e a Nova Economia, sem versão em português), já chamou a coalizão de “um cartel orquestrado pelo Google”.
Incentivar anunciantes a criar uma experiência de navegação melhor
parece bom para todos. Mas enquanto o público e os reguladores ao redor
do mundo estão começando a acordar
para a necessidade urgente de tomar as rédeas dos agentes mais
dominantes do Vale do Silício, essa parece uma época esquisita para
começar a implantar o sistema que daria ao Google ainda mais poder em
sua área. Em um certo ponto, as pessoas precisarão se perguntar se uma
companhia é apenas um monopólio quando abusa de seu poder ou se já é um
monopólio porque tem o potencial de abusar desse poder.
Fonte: gizmodo