Castlevania virou uma franquia clássica dos videogames
contando com a força de seu design de fases labiríntico, seu diálogo
adoravelmente empolado e sua estética espalhafatosa. A série da Netflix
baseada na propriedade da Konami não usa esses elementos exatamente da
mesma forma, mas encontra seu próprio caminho para virar uma ótima
adaptação da história de caça a demônios com o chicote estralando.

Nascido na região de Wallachia, na Romênia, Lisa de Lupo é a primeiro
personagem que conhecemos em Castlevania, disponível agora na Netflix.
Ela quer ser uma médica; em 1455, frustrada pela predominância da
superstição e pela falta de ciência real, a jovem mulher vai até um
assustador castelo cercado de corpos empalados e pede para Drácula que a
ensine seu conhecimento. Uma tensa porém divertida negociação se segue,
e o desejo de Lisa de melhorar a humanidade e o Drácula convence o
senhor dos mortos-vivos a abrir seu laboratório para ela.

Vinte anos mais tarde, a ciência que ela queria para curar foi vista
como bruxaria, e Lisa Tepes está sendo queimada viva na cidade de
Targoviste. E Drácula, que vivia como um homem de acordo com seus
desejos dela e se casou com ela, entra em uma incandescente fúria
genocida. Ele dá aos humanos de Wallachia um ano para se organizarem e
pedirem perdão a Deus antes de jogar toda a sua ira sobre eles,
destruindo a cidade e eventualmente a própria humanidade.

Esse é o cenário de Castlevania, escrito por e com produção executiva de Warren Ellis, escritor de quadrinhos, filmes e romances como Transmetropolitan, G.I. Joe: Resolute, Normal,
entre muitos outros. O programa mostra todas as tendências do escritor
britânico, que se mesclam maravilhosamente aos traços que fizeram os
jogos Castlevania tão únicos. Aqui, Trevor Belmont (que tem o mesmo nome
do protagonista do terceiro jogo da série, Castlevania III: Dracula`s Curse, para
Nintendinho) é um nobre cansado do mundo, o último bastião da família
caçadora de monstros cansado de salvar os outros, que perambula por aí
atrás da próxima refeição e do próximo drinque. Da mesma forma, o tema
comum a Ellis de busca de conhecimento ameaçado surge na forma dos Speakers, uma sociedade oral nômade de historiadores/magos. Trevor relutantemente concorda em salvar a vida de Sypha, uma Speaker que se perdeu procurando um possível guerreiro salvador que pode deter as hordas demoníacas de Drácula. Leitores de Transmetropolitan também vão reconhecer os vilões de sangue-frio nos funcionários da igreja, parecidos com os inimigos daquela história.
Na verdade, a perseguição pela igreja é uma das forças motrizes para a motivação dos personagens em Castlevania,
e essa decisão constrói a história em um contexto adequadamente
grandiloquente. Drácula é recluso, não é mais uma ameaça para a
humanidade quando o vemos pela primeira vez. O Senhor das Trevas só
volta para aterrorizar por causa dos horrores cometidos pelos homens
supostamente sagrados da igreja, que veem a ciência, e quase tudo mais,
como uma transgressão contra Deus, punível com a morte. Em um movimento
parecido, a família de Trevor Belmont foi exilada e desonrada pela
igreja, que culpou a presença dos demônios nas pessoas que lutaram
contra eles. Como um membro dos Speakers, Sypha também tem
problemas com a igreja, quando o mesmo bispo maligno que enfureceu
Drácula coloca a culpa no povo dela e ordena sua execução como bodes
expiatórios.

Nenhuma das ambições narrativas do seriado funcionaria sem uma boa
execução, que é muito boa em todos os aspectos aqui. O estilo
influenciado por anime feito pelo estúdio de animação Powerhouse encaixa
bem com a atmosfera exagerada da franquia de jogos, especialmente nas
viscerais cenas de ação e nos confrontos melodramáticos. No mesmo
caminho, a dublagem pesa nas respostas emocionais agudas ou falas duras e
blasé que colocam os personagens em um campo adequadamente estoico
frente aos incríveis acontecimentos. Como Trevor Belmont, Richard
Armitage mostra uma fantástica versão do bêbado, porém mortal, babaca,
acertando os pontos certos de bêbado cambaleante infeliz. Graham
McTavish também é ótimo como Drácula, magistralmente alternando entre um
distanciamento etéreo e arroubos raivosos demasiadamente humanos.
Também tem uma conversa sobre sexo com cabras:

[Bosha] “E eu saberia se minha cabra estivesse apaixonada por você’”

[Bosha] Ele disse pra mim, “Eu sei que sua cabra está apaixonada por mim”

E ele disse, “Bem, ela transa comigo, não transa?”
Desde o começo, o programa captura o tom melodramático dos jogos
Castlevania, e os quatro episódios estabelecem um ótimo cenário para
essa adaptação. O elemento anti-igreja funciona extremamente bem como
linha condutora, ancorando a história no mundo real e operando como um
catalisador profundamente pessoal. As pessoas escolhem incorporar suas
crenças, ou não, de certas formas e respondem fortemente quando não
conseguem fazê-lo.
Castlevania se aproveita desse fato em um grande drama, colocando
muita violência estilizada e polida em cima disso. É uma forte abertura
para um projeto que tinha tudo para preocupar os fãs.
Fonte: Gizmodo