Os restos mortais de cinco Homo sapiens antigos foram
desenterrados em um sítio no noroeste africano. Com cerca de 300
mil anos de idade, os fósseis são impressionantes 100 mil anos mais
velhos do que o registro anterior, empurrando a origem da nossa espécie
significativamente para trás. E, pelo fato de eles terem sido
localizados em Marrocos, longe do suposto ponto de origem da nossa
espécie, a descoberta também apaga as noções anteriores sobre como os
humanos modernos evoluíram.
A origem da nossa espécie é envolta em mistério, dados os pobres
registros fósseis e a imensa escassez de evidências genéticas. A
surpreendente descoberta dos restos fossilizados dos cinco humanos
primevos no sítio em Jebel Irhoud, no Marrocos — junto com evidências de
ferramentas de pedra, ossos de animais e uso de fogo — acrescenta uma
importante peça a esse frustrantemente incompleto quebra-cabeças
arqueológico. Como essa descoberta mostra, a nossa espécie, conhecida
pela nomenclatura científica Homo sapiens, existe há mais tempo
do que imaginávamos — tem mil anos a mais, para sermos mais precisos.
Podemos dizer agora, com certa confiança, que a espécie a que eu e você
pertencemos surgiu na África cerca de 300 mil anos atrás. É concebível, é
claro, que os arqueólogos possam achar espécimes mais antigos no
futuro, mas, por agora, estabelecemos o mais antigo Homo sapiens.
“Não existe um Jardim do Éden na África, porque o Jardim do Éden é a África.”
Além do mais, a nossa espécie não se originou de uma parte isolada da
África, mas através do continente inteiro. Como o coautor do estudo
Jean-Jacques Hublin, do instituto Max Planck para antropologia
evolucionária, explicou em uma conferência para a imprensa nesta
terça-feira (6), “não existe um Jardim do Éden na África, porque o
Jardim do Éden é a África”. Os primeiros hominídeos bípedes dos quais
descendemos podem ter surgido no interior da África, mas as espécies que
se tornaram o Homo sapiens estavam pelo continente inteiro — e
no noroeste da África em particular. Essas conclusões agora aparecem em
dois estudos separados, ambos publicados nesta quarta-feira (7), no
periódico científico Nature. No primeiro artigo, os cientistas descrevem os fósseis encontrados no sítio; no segundo, analisam e datam as ferramentas de pedra.
Antes dessa nova descoberta, as amostras mais antigas de Homo sapiens foram desenterradas na Etiópia e datavam dentre 150 mil a 200 mil anos. Estranhamente, os neandertais e o Homo sapiens “arcaicos” (humanos imediatamente anteriores ao Homo sapiens que
viveram entre 300 mil a 150 mil anos atrás) divergem de um ancestral
comum cerca de 500 mil a 600 mil anos atrás. A falta de provas fósseis
anteriores a 200 mil anos atrás levou alguns cientistas a teorizarem que
o Homo sapiens devia ter surgido bem abruptamente, provavelmente a partir de uma espécie antecessora chamada Homo heidelbergensis (como nota, qualquer hominídeo com a palavra “Homo” na frente é considerado um humano).

Duas visões dos crânios encontrados no sítio Irhoud (Crédito: Sarah Freidline, MPI-EVA, Leipzig)
Essa nova descoberta, que mostra que uma versão mais antiga do Homo sapiens estava
dando uma volta no noroeste da África cerca de 300 mil anos atrás,
agora entra em embate com essa teoria do “surgimento abrupto”. Depois de
divergirem de um ancestral em comum, um grupo de Homo sapiens arcaicos se espalharam pela África, gradualmente adquirindo os traços que eventualmente viriam a caracterizar a nossa espécie.
Para alcançar essa conclusão, os autores do novo estudo combinaram
novas e velhas evidências fósseis. Lá na década de 1960, fósseis humanos
foram encontrados no mesmo sítio em Jebel Irhoud junto com ossos
animais. Os fósseis foram originalmente datados em cerca de 40 mil anos
de idade, e os restos, identificados com algum tipo de neandertal
africano. Insatisfeitos com essa interpretação, os pesquisadores do
instituto Max Planck de antropologia evolucionária e o National
Institute for Archaeology and Heritage, em Marrocos, decidiram renovar a
investigação, o que envolveu novas escavações no sítio marroquino. Isso
levou à descoberta de restos parciais de esqueletos de cinco
indivíduos, três adultos, um adolescente e uma criança, junto com
ferramentas de pedra, ossos de animais e sinais de uso de fogo. Os
arqueólogos esbarraram em uma antiga caverna usada por esses humanos
para processar e consumir carne animal, basicamente gazelas e zebras. E,
sim, os arqueólogos originais não acharam esses cinco espécimes — mas,
para sermos justos, as escavações foram todas dentro e ao redor de uma
mina, que agora é uma pedreira gigante.
Usando uma técnica conhecida como termoluminescência, os
pesquisadores dataram os objetos desenterrados do sítio entre 300 mil a
350 mil anos de idade e usaram as ferramentas de pedra para datar os
fósseis encontrados entre esses artefatos. Agora, essa é considerada a
evidência mais antiga já encontrada dos mais antigos membros da linhagem
Homo sapiens.

Algumas das ferramentas da idade da pedra encontradas no sítio (Crédito: Mohammed Kamal, MPI EVA Leipzig)
Um detalhe importante é que essa descoberta altera a origem
geográfica da nossa espécie para longe das partes interiores da África.
Centenas de milhares de anos atrás, o Saara era cheio de florestas e
vastas planícies, tornando-o possível de ser atravessado para o norte
pelos hominídeos em direção ao que é o Marrocos agora. No caso desses
antigos Homo sapiens, eles provavelmente estavam seguindo
rebanhos de gazelas enquanto migravam pela África, evoluindo novas
habilidades cognitivas no caminho — habilidades cognitivas que os
permitiriam criar ferramentas mais sofisticadas e adotarem
comportamentos sociais complexos. Ao se espalhar por maior parte da
África, esses hominídeos adquiriram os próprios traços que viriam a
definir a nossa espécie.
Curtis W. Marean, especialista em origem humana da Universidade
Estadual do Arizona e que não esteve envolvido no estudo, diz que a nova
descoberta é importante, mas não completamente surpreendente.
“A estimativa de idade anterior dos hominídeos de Jebel Irhoud nunca
fez sentido, por dois motivos”, disse ao Gizmodo. “Primeiro, a
morfologia era muito primitiva para a idade relativamente nova; e,
segundo, a evidência sugeria que o Magrebe tinha sido abandonado durante
um período em que era evidentemente árido. Então, essa idade mais
antiga faz muito sentido. Estou feliz que essa equipe tenha resolvido
esse problema.”
Marean diz que os fósseis têm muita semelhança com uma caveira distintamente parecida com a humana, chamada de crânio de Florisbad,
descoberta na África do Sul em 1932. “A semelhança com esse espécime
sugere que naquele tempo existia uma população panafricana que talvez
fosse a mesma espécie”, afirmou. “Isso é importante para saber, mas
talvez não inesperado.”

Uma mandíbula quase completa de um H. Sapiens adulto (Crédito: Jean-Jacques Hublin, MPI-EVA, Leipzig)
É importante saber que o termo “Homo sapiens” não é análogo
ao termo “humanos modernos”. Os humanos antigos encontrados em Marrocos
eram ligeiramente diferentes dos humanos que estão vivos hoje, mas essas
diferenças não eram significativas o bastante para os pesquisadores
encaixarem-nos em espécies separadas ou marcá-los como ainda mais um
ramo do Homo sapiens arcaico. Ao fazer escaneamentos
microcomputados dos fósseis, os pesquisadores detectaram alguns traços
primitivos, como uma caixa craniana mais em baixo e menor, fortes cumes
da testa e um rosto maior. Mas eles também tinham ossos malares
delicados, um rosto distintivamente moderno e dentes e ossos do maxilar
que eram virtualmente idênticos aos do Homo sapiens. Como Jean-Jacques Hublin apontou na conferência para a imprensa, “essas pessoas não se destacariam se você as visse na rua”.
O arqueólogo Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres e
que não esteve envolvido no estudo, diz que arqueólogos e antropólogos
devem adotar uma definição ampla de Homo sapiens, mas que ele próprio nem sempre se sentiu assim inclinado.
“Eu costumava defender que ‘humanos anatomicamente modernos’,
incluindo fósseis que essencialmente parecem conosco hoje em dia, são o
único grupo que deve ser chamado de Homo sapiens”, explicou ao Gizmodo por email. “Agora, acho que humanos anatomicamente modernos são apenas um subgrupo dentro da espécie Homo sapiens e que nós devemos reconhecer a diversidade de formas dentro dos Homo sapiens mais antigos, alguns dos quais provavelmente foram extintos.”
Realmente, muitos grupos diferentes de humanos existiam nessa época, mas foi o Homo sapiens
que eventualmente prevaleceu, espalhando-se para fora da África em
alguma época entre 60 mil a 70 mil anos atrás, e então se espalhando
ainda mais, até Ásia, Austrália e Américas do Sul e do Norte. A nossa
espécie é tudo o que restou de vários “experimentos” evolucionários de
hominídeos que duraram cerca de centenas de milhares de anos ao redor da
maior parte da África e, até certo ponto, da Europa.
Mas, como esses novos estudos mostram, os aspectos definitivos da
nossa espécie surgiram como resultado da nossa necessidade de superarmos
nossas limitações. Que humano de na nossa parte.
Fonte: Gizmodo