Os cosmólogos têm como trabalho descobrir como e por que nós chegamos
aqui. Mas se você chamar seu trabalho de anticientífico, vai deixá-los
um tanto nervosos.
Uma história recente na Scientific American
conseguiu irritar um monte desses pensadores, tanto que 33 deles
(quatro dos quais ganhadores de prêmios Nobel) assinaram uma carta em
resposta. Os signatários incluem Stephen Hawking, Leonard Susskind, Lisa
Randall e outros que escreveram livros e deram aulas ao redor do mundo
sobre como nós chegamos aqui. No centro da controvérsia está uma popular
teoria de que o nosso universo inflou como um balão logo após o Big
Bang. Um grupo de cientistas basicamente disse que essa teoria não era
ciência, o que é como chamar o trabalho de um artista de “não-arte”, ou o
trabalho de um chef de cozinha de “não-comida”.
Os físicos Anna Ijjas e Paul J. Steinhardt, de Princeton, e Abraham
Loeb, de Harvard, escreveram a história inicial, chamada “Pop Goes the
Universe” e a publicaram na Scientific American em fevereiro
passado. Eles desafiaram a inflação cósmica, uma coleção de modelos
científicos primeiro sugeridos por Alan Guth por volta de 1980,
defendendo que, logo após o Big Bang, o universo expandiu
exponencialmente como um balão inflando antes de se acomodar no formato
onde vivemos hoje em dia. Os autores escreveram que observações
astronômicas restringiram a inflação cósmica de forma que tornam
insustentáveis os modelos restantes que a apoiam. Pelo contrário, a
história do autor reforçou uma teoria concorrente, de que o universo
“retraiu” para onde está hoje depois de um colapso (você pode aprender
sobre as várias teorias da formação do nosso universo, e sobre esse
debate todo, aqui).
Steinhardt escreveu artigos como esse para a Scientific American antes.
Mas uma linha particular na conclusão do artigo mais recente complicou a
situação: “… A cosmologia inflacionária, como a entendemos hoje em dia,
não pode ser avaliada usando o método científico”. Em outras palavras,
Steinhardt defende que a teoria dominante para a formação do nosso
universo não é testável e, portanto, não é ciência de verdade.
Os defensores da inflação cósmica e o professor Guth, do MIT,
escreveram a resposta com os físicos David Kaiser (MIT), Andrei Linde
(Stanford) e Yasunori Nomura (UC Berkeley) e então recolheram
assinaturas de famosos através do mundo da física. Os quatro discordaram
de muitas das constatações do artigo na Scientific American,
mas “nós mais especificamente discordamos fortemente das constatações
feitas sobre a testabilidade da inflação cósmica, que achamos
completamente sem justificativa”, Guth disse ao Gizmodo. “Nós achamos
que era a hora de alguém responder essas objeções.”
A carta de resposta, também publicada na Scientific American,
resume as reclamações dos físicos. A inflação cósmica não é somente uma
teoria, mas muitos modelos, e ninguém acha que todos esses modelos
estão corretos, ela diz. Alguns modelos foram descartados, outros não
foram. Alguns deles fizeram predições corretas, como a densidade média
de massa do universo, por exemplo. Os modelos ficaram mais precisos com o
tempo, com a ajuda de teorias matemáticas e observações. Mas o ponto
principal da carta é que, embora os modelos inflacionários tenham virado
a forma predominante de explicar o universo, eles ainda são ciência
testável e podem ser refutados se a prova correta aparecer.
“Nós julgamos teorias pelas predições que elas fazem que podemos testar, não pelas que elas fazem que não podem ser testadas.”
Quando falei com alguns dos signatários, eles se mostraram
discordantes do artigo inicial, da carta de resposta ou de ambos. Renata
Kallosh, física teórica de Stanford, disse ao Gizmodo por email que ela
revisou alguns dos artigos de Steinhardt, e eles continham erros.
Físico teórico do MIT e vencedor do Nobel, Frank Wilczek nos disse que o
artigo inicial era “muito tendencioso” e uma interpretação seletiva da
inflação cósmica que beirava a calúnia. “É meio revoltante”, afirmou.
Mas, ainda assim, ele disse que ele estava “desconfortável com a ideia
de trazer abaixo um grande movimento contrário” e acha que a carta
talvez tenha sido um pouco demais.
Isso porque os signatários da carta de resposta, incluindo Guth,
concordam que a inflação cósmica não é uma verdade estabelecida ainda.
“O modelo da inflação cósmica é incrivelmente insatisfatório”, Lisa
Randall, física teórica da Universidade de Harvard, disse ao Gizmodo. “É
muito difícil definir exatamente o que significa a inflação cósmica, e
isso é a fonte do que está sendo discordado aqui.” Sean Carroll, físico
teórico da Caltech, me direcionou para seu blog, onde ele resumiu a sua (e a minha) opinião:
Nós julgamos teorias pelas predições que elas fazem que
podemos testar, não pelas que elas fazem que não podem ser testadas. É
absolutamente verdade que existem muitas questões sem respostas quando
se trata do paradigma inflacionário. Mas a resposta certa nessa situação
ou é trabalhar em tentar resolvê-las, ou começar a trabalhar em outra
coisa (o que é uma opção completamente aceitável). Não defender que as
questões são a princípio inesgotáveis e que, portanto, o campo caiu para
fora do reino da ciência.
A inflação cósmica fez várias predições que foram desde então
comprovadas, a carta aponta, por experimentos como o Cosmic Background
Explorer (COBE) e mais recentemente pela missão Planck.
Eles incluem predições sobre o formato do universo (plano) e diversas
propriedades das origens das microondas cósmicas, a luz que viajou o
mais longe, que veio apenas algumas centenas de milhares de anos depois
do Big Bang.
Entrei em contato com Clara Moskowitz, editora da história inicial na Scientific American, para perguntar-lhe o que ela achava (eu fiz estágio na SciAm
e Moskowitz era uma das minhas editoras). “Esse artigo encaixa bem com o
que a Scientific American quer publicar e com o que ela quer fazer:
acolher um saudável debate científico”, respondeu. Ela ficou empolgada
em ver tantos cientistas falando sobre isso e está interessada em
apresentar todos os lados da história. Ela deu boas vindas à carta de
resposta para contribuir com o artigo também.
E quando procurei entrar em contato com os autores da história
inicial para ouvir seus pensamentos sobre a carta, eles me apontaram em
direção à sua resposta em uma página de FAQs que
eles escreveram: “Nós pedimos a todos os colegas focar em resolver os
impressionantes problemas da inflação cósmica e manter sua mente aberta
para outras, ainda desconhecidas, teorias que evitam esses problemas
como um todo”.
O que basicamente nos deixa no mesmo lugar que começamos, com um
paradigma imperfeito que tenta descrever nosso universo e cientistas que
querem explorar outras opções. Moskowitz espera que discussões como
essa impulsionem o campo da física, e Guth, que a carta tenha
demonstrado que a comunidade amplamente concorda que o modelo
inflacionário é ciência de verdade. Ele acha que o burburinho em volta
disso tudo vai sumir em breve.
“Eu acho que vamos todos continuar com nossas pesquisas”, encerrou.
Fonte: Gizmodo