Minha primeira pergunta foi: “O que é um cristal do tempo?” Os
estudantes de pós-graduação da Harvard Soonwon Choi, Joonhee Choi e a
pesquisadora de pós-doutorado Renate Landig todos começaram a rir. “Essa
é uma pergunta muito boa”, disse Soonwon. O nome de ficção científica
dos cristais do tempo esconde sua sutil nuance de mecânica quântica. Às
vezes, um nome é simplesmente a aproximação mais fácil para descrever
algo bem mais complexo que nossas mentes podem conceber.
Dois grupos de cientistas relataram terem observado exóticos cristais
do tempo, sistemas de átomos cujas propriedades se auto ordenam, ou
“cristalizam” no tempo da mesma forma que sólidos podem cristalizar no
espaço. As ordenações atômicas bem distintas dos dois grupos não são
máquinas de movimento perpétuo, armas ou dispositivos de viagem no
tempo, mas seu comportamento estranho mostra toda uma nova classe de
materiais com propriedades diferentes de qualquer outro sólido, líquido
ou gás que você já encontrou.
“Os experimentos são lindos e abrem uma nova classe de estados da
matéria que realmente são novos e fascinantes qualitativamente”, o
físico teórico do MIT e ganhador do Nobel disse ao Gizmodo. Wilczek propôs os
cristais do tempo em 2012, enquanto pensava se certas propriedades se
alterando no tempo, ao invés de no espaço, poderiam mostrar novas fases
da matéria. Ele disse que “as novas descobertas… certamente são
descendentes reconhecíveis da visão original e por isso mantiveram o
nome.”
Leis físicas são carregadas de simetrias, instâncias em que a ação
produz a mesma reação em um ambiente diferente. Se você soca uma parede
rígida com a mesma força, ela vai machucar igual, não importa em que
comprimento da parede você soque ou que hora do dia seja. Essas são
traduções de simetria espaciais e temporais. Algumas simetrias podem
quebrar. Cristais, sólidos cujas partículas se ordenam de maneira
específica, quebrando a chamada simetria espacial translacional, já que
as moléculas preferem um lugar específico no espaço. Se você tivesse uma
cerca de tábuas ao invés de uma parede sólida, isso poderia quebrar a
simetria espacial translacional, já que socar a cerca é diferente de
socar o espaço entre as tábuas.
A ideia de Wilczek era simples: as moléculas são capazes de quebrar a
simetria temporal translacional? Certos sólidos conseguem se
cristalizar no tempo, preferindo diferentes estados em diferentes
intervalos de tempo? Isso seria como as cigarras com ciclo de 17 anos,
elas poderiam emergir em qualquer ano, mas ao invés disso elas quebram a
simetria temporal translacional, já que elas aparecem a cada 17 anos ao
invés de todos os anos.

Imagem: T. Li et al., Phys. Rev. Lett. (2012)
Os físicos Haruki Watanabe e Masaki Oshikawa, da Universidade de Tóquio, perceberam em 2014
que, não, provavelmente não existem cristais do tempo, ou ao menos não
da forma como Wilczek os definiu. Dois anos depois, físicos incluindo
Shivaji Sondhi, de Princeton, e Chetan Nayak, da Universidade da
Califórnia em Santa Bárbara, mostraram que os cristais do tempo podem
existir se você mudar as regras um
pouco, ao dar uma cutucada periódica nos átomos, por exemplo. O físico
Norman Yao, da Universidade da Califórnia Berkeley, esboçou uma espécie
de esquema para determinar o que medir para convencer os pesquisadores
de que eles criaram um cristal do tempo. As duas descobertas vieram à
tona algumas semanas atrás, mas agora passaram pelo processo de
examinação.
“O impressionante do cristal do tempo é que ele é estável”, Yao disse
ao Gizmodo. O cristal do tempo precisaria preferir certa frequência de
vibração, diferente da frequência da cutucada periódica. Depois de
alguns estímulos, a vibração preferida não altera.
É isso que cada grupo acabou de publicar na Nature. Partículas têm uma propriedade quântica inata chamada “spin”,
relacionada ao magnetismo, que, no caso desses cristais, tem dois
valores distintos. Os valores todos se alinham e se alternam em um ritmo
preferido pelo cristal. Entender precisamente o spin não é tão
importante para entender os cristais do tempo. Em um nível mais básico,
apenas pense nele como se cada partícula fosse um espectador em um jogo
de esportes segurando uma placa. Se todo mundo segura o lado A, a placa
coletiva diz uma frase, e se eles mostrarem o lado B, diz uma frase
diferente. De outra forma, é uma imensa bagunça.
Um grupo
da Universidade de Maryland alinhou dez íons de itérbio (itérbio é
apenas um elemento químico) e os atingiu com pulsos periódicos de laser
para em sua maioria, mas não todos, alterar o spin dos íons. Os valores de spin
das partículas encaixaram no lugar, girando independentemente. Eles
continuaram girando e se alinhando a metade da velocidade do pulso do
laser. Se o time alterava o pulso ligeiramente, os dez íons continuavam
no seu ciclo, mesmo apesar da intuição dizer que o movimento periódico
dos cristais do tempo deveria eventualmente desmoronar. Em vez disso,
eles preferiram seguir no ritmo do próprio tambor.
A configuração do grupo de Harvard era um pouco diferente.
Eles carregaram a estrutura regular de carbono de um diamante com
impurezas na forma de átomos de hidrogênio, tantas impurezas que o
diamante ficou preto. Seu cristal também precisou de uma força de pulso,
nesse caso um campo de microondas, e eles também viram os spins
das impurezas alternarem de lado, se encaixando no lugar com sua
própria frequência mais baixa, um período mais longo. Isso fez com que o
diamante ficasse fluorescente, como na foto abaixo. Seu sistema era tão
complexo que a teoria não consegue explicar totalmente o comportamento,
disse Soonwon Choi.

Imagem: Soonwon Choi
“Ambos os sistemas são muito legais. Eles são bem diferentes”, disse
Yao. “Eu acho que eles são extremamente complementares. Eu não acho que
um seja melhor do que o outro. Eles olham para dois regimes diferentes
da física. O fato de você enxergar essa fenomenologia similar em
diferentes sistemas é realmente impressionante.”
O cristal pode preferir seu ritmo de alternância de spin,
mas o efeito certamente não vai durar para sempre. Cristais do tempo não
podem existir sem o pulso de energia repetido para ajudar os átomos a
se organizarem com o tempo. “Não é um moto perpétuo”, Jiehang Zhang, da
Universidade de Maryland, disse ao Gizmodo. “Nós estamos controlando
ela!”
Se você ainda estiver um pouco confuso, Yao tem uma explicação: se
você está pulando corda, é esperada uma rotação sempre que a mão da
pessoa segurando a corda gira. Esses cristais do tempo têm uma mente
própria, a corda faz uma volta completa, ou o spin segue seu
ciclo, para cada duas vezes que a sua mão gira. Além do mais, explicou
Zhang, bater na corda um pouco não vai alterar ou parar a estabilidade
do giro.
Nayak concordou que ambos os grupos apresentaram evidências dos
cristais que ele e outros teorizaram, mas ainda precisamos saber o quão
estáveis esses cristais são. “Seus resultados combinados apontam a
necessidade de experimentos que realmente mostrem que as oscilações
continuem em fase em períodos prolongados”, escreveu na Nature, em um artigo da News & Views, “e que não são apagados por inevitáveis flutuações”.
Agora que você sabe o que é um cristal do tempo, seu primeiro
pensamento quase certamente seja: “é isso? O que tem de tão empolgante
nisso? (‘Outro dia em um jogo eu vi um cristal do tempo como uma arma’,
disse Landig)”. Soonwon imediatamente levantou o potencial da computação
quântica bem longe no futuro, controlando inúmeros bits quânticos ao
mesmo tempo. Mas a importância é provavelmente mais fundamental.
Normalmente, fases da matéria existem somente ao alternar a forma da
ordenação das partículas no espaço. Cristais do tempo abrem todo um novo
mundo de novas fases possíveis ao acrescentar pulsos de laser ou
microondas, fases que só existem quando você está fazendo algo ao
sólido, como uma versão de física quântica de como amido de milho
misturado na água só parece sólido quando você toca nele.
“Isso mostra que a riqueza das fases da matéria é ainda mais ampla do
que imaginávamos”, disse Yao. “Um dos cálices sagrados da física é o
entendimento de que tipos de matéria podem existir na natureza.” Nós
temos vários materiais estranhos como supercondutores e superfluidos,
mas “fases de não-equilíbrio” como cristais do tempo “representam um
novo campo diferente de qualquer coisa que estudamos no passado”.
Fonte: Gizmodo