Há seis anos, quanto estava de férias com os amigos, Ian Burkhart
sofreu um acidente que o deixou paralisado dos ombros para baixo. Um
novo sistema agora permite que ele faça movimentos complexos com suas
mãos e dedos, tornando-o a primeira pessoa da história a recuperar suas
funções usando sinais cerebrais.
Burhart tinha apenas 19 anos quando o acidente aconteceu. Enquanto
seus amigos nadavam, ele decidiu mergulhar na água, porém, ele não
calculou direito a profundidade do local e acabou batendo em banco de
areia, quebrando seu pescoço. A lesão fez com que ele se tornasse um tetraplégico C-5,
incapaz de mover qualquer parte do corpo abaixo dos ombros. Os médicos
disseram que ele nunca mais andaria ou recuperaria o movimento das mãos;
os sinais do cérebro dele, apesar de intactos, não podiam passar pelo
bloqueio no local da lesão.
Cobaia
Destemido, Burhkart disse aos médicos e terapeutas que ele estava
disposto a fazer o que fosse necessário por sua reabilitação. Isso levou
ele a Nick Anneta, do Instituto Batelle, e Ali Reza, da Universidade do
Estado de Ohio.
“Tive o sentimento de que após meu acidente, a ciência, a tecnologia e
a medicina avançariam e isso melhoraria a qualidade da minha vida”,
disse Burkhart ao Gizmodo, em entrevista por telefone.
“Sempre fui um grande fã de tecnologia, e como passava com
fisioterapeutas da universidade [de Ohio], sabia o tipo de trabalho que
eles estavam fazendo. Comuniquei a eles sobre meu interesse, e uma vez
que os pesquisadores precisavam de uma cobaia para os testes, eles
entraram em contato comigo. Felizmente, eu atendia a todos os requisitos
que eles buscavam.”
Quando os pesquisadores da Universidade do Estado de Ohio explicaram o
projeto para Burkhart, ele disse que parecia um negócio de filme de
ficção científica. Ele perguntou se aquilo, de fato, poderia ser feito.
“Quanto mais falava com eles, mais fé eu tinha do conhecimento e da
qualificação deles.”

Resumo do funcionamento do sistema NeuroLife em gif. Crédito: Universidade do Estado de Ohio/Batelle
O sistema NeuroLife parece mesmo coisa de ficção científica. Ele
consiste em um desvio eletrônico para sinais do cérebro obstruídos. O
dispositivo interpreta os sinais do cérebro intencionais que normalmente
são canalizados através da espinha dorsal, enviando aos músculos
desejados via cabos. Uma manga com eletrodos é colocada no pulso da
pessoa, desencadeando na contração dos músculos requisitados.
O primeiro passo do projeto foi implantar um pequeno microeletrodo,
do tamanho de uma ervilha, no córtex motor do cérebro de Bukhart.
Diferente de técnicas similares que usam toucas EEG para gravar a
atividade elétrica do cérebro, este é um sistema invasivo. O chip de 96
canais é implantado diretamente no cérebro, enquanto um cabo fica na
parte de trás da cabeça. O dispositivo analisa algumas centenas de
neurônios motores, fornecendo informações suficientes para a execução de
tarefas físicas básicas. Mesmo após dois anos, o dispositivo ainda está
produzindo sinais de excelente qualidade. Na verdade, o chip está
funcionando melhor do que o esperado pelos pesquisadores.

Burhart testando o sistema. Crédito: Universidade do Estado de Ohio/Batelle
Nos dias e semanas após a cirurgia de três horas (feita em 2014),
Burkhart sofreu várias dores de cabeça e no local onde houve a incisão,
mas agora isso não é algo que o incomoda mais. Sobre o pequeno
dispositivo do tamanho de uma moeda que fica atrás de sua cabeça, ele
nem pensa mais nisso direito.
Aprendendo a pensar em movimentos
O próximo passo é treinar um computador para entender os sinais que
vêm do córtex motor de Burkhart (a parte do cérebro responsável pelos
movimentos físicos). Neste estado inicial, os pesquisadores simplesmente
gostariam de saber se o sistema funcionaria, e eles tiveram uma prova
do conceito, quando Burkhart usou seus próprios pensamentos para abrir e
fechar sua mão. Com essa validação, os pesquisadores conseguiram
avançar para o próximo estágio, que era dar mais controle aos dedos e
mãos de Burkhart.
Burkhart teve de treinar um computador para entender vários padrões
cerebrais associados com movimentos em particular. Para ele, este
processo foi tedioso, demorado e esgotante. Ele não pensava em mover
seus dedos e mãos há anos. As sessões o deixaram mentalmente e
fisicamente exausto.
“Nos 19 anos anteriores ao meu acidente, eu sempre tive a consciência
de que podia ter o controle das minhas mãos”, disse Burkhart. “Então,
enquanto eu treinava, tive que distinguir os processos de pensamento, e
ainda de forma natural, de tal forma que teria de ajudar o computador a
aprender para podermos trabalharmos juntos. A parte mental mais
exaustiva foi tentar bloquear todos meus pensamentos e focar em minha
concentração e energia em apenas um movimento.”
Burkhart foi melhorando com o tempo, e agora ele demora de 10 a 15
minutos para treinar o computador. Infelizmente, o sistema deve ser
treinado para cada sessão, em função da forma transitória dos sinais
cerebrais — mas a interface de aprendizado de máquina está ficando
progressivamente melhor e mais rápida em mapear os padrões cerebrais do
Burkhart. Então, tanto o paciente quanto o computador estão aprendendo
juntos.

Burkhart passando cartão de crédito. Crédito: Universidade do Estado de Ohio/Batelle
Para os dedos e as mãos do Burkhart se mexerem, um dispositivo
receptor é colocado no braço dele como uma pulseira. Este dispositivo
com 130 eletrodos não requer qualquer tipo de cirurgia adicional, e
provê estimulação em músculos específicos, fazendo com que eles sejam
contraídos (e não, esse processo não machuca). Cada dedo é controlado
por 20 eletrodos, enquanto os restantes são usados para a mão. Burkhart
usa seus pensamentos para acionar uma sequência específica de disparos,
permitindo que ele gire a mão, feche o punho ou faça o movimento de
pinça para pegar um objeto. Ele mal consegue acreditar no progresso que
eles fizeram em menos de dois anos — é muito melhor do que ele
imaginava.
“Achava que para movimentar apenas minha mão levaria um monte de
tempo”, disse ele. “Agora, nós conseguimos fazer vários outros
movimentos, incluindo alguns complexos de mão e o controle dos dedos
para pegar objetos. A velocidade com que as coisas estão evoluindo nos
assegura que isso será que poderá ser usado em um monte de pessoas para
melhorar a qualidade de vida delas.”
Durante os testes, Burkhart mostrou que ele consegue fazer movimentos
surpreendentemente complexos com suas mãos e dedos, como pegar um copo e
uma colher, segurar um telefone no ouvido e despejar o conteúdo de uma
garrafa. Ele também pode controlar a força desses movimentos. Burkhart
também demonstrou que pode usar o sistema para jogar Guitar Hero.
“É um pouco doido que este sistema funciona bem o suficiente para
responder rápido comandos do jogo bom a agilidade e tempo de resposta
necessários para a atividade”, disse Burkhart ao Gizmodo.
“A quantidade de latência a partir do momento que eu penso até a ação é
desprezível. No jogo, consigo ver as notas vindo e pensar um pouco por
antecipação, mas eu estou jogando o game de forma muito natural.”
Burkhart disse que em algumas vezes quando “ele se cansa de jogar a
mesma música”, mas ele admite que isso é mais divertido que outras
sessões de prática.

Crédito: Universidade do Estado de Ohio/Batelle
Jogar videogame é legal e bacana, mas Burkhart disse que ele ficou
bem impressionado com a capacidade de segurar uma garrafa e derramar seu
conteúdo e então mexer o líquido com uma vareta. “Essa ação foi muito
importante para mim”, disse, “pois isso pode me levar a fazer diferentes
coisas.” Ele comentou que a habilidade de fazer movimentos bruscos para
um que exige destreza dos dedos mostra quão robusto o sistema é.
Não dá para levar para casa
O NeuroLife por enquanto é um sistema testado apenas em laboratório.
No entanto, Burkahart espera que o sistema o levará a algo maior. Ele
está constantemente enchendo a paciência dos pesquisadores para permitir
que ele o leve para casa. O paciente vê o sistema como uma forma de ele
finalmente recuperar sua independência e autonomia.
“É algo que os pesquisadores estão trabalhando, mas no momento, o
sistema ainda é algo desajeitado. Requer cabos grandes que saem da minha
cabeça, e então vão para uma unidade de processamento que fornece dados
para o computador para, na sequência, ir para outra unidade de
processamento que controla a estimulação”, disse. “Então, há muitos
componentes no sistema que precisam ser simplificados e reduzidos de
tamanho para que possamos usá-lo fora do laboratório.”
Este é exatamente o objetivo dos pesquisadores. Segundo o líder do
projeto, Chad Bouton, eles esperam reduzir o NeuroLife a ponto que ele
fique quase invisível. Eventualmente, o sistema pode ser sem fio, e a a
manga pode ser substituída por eletrodos implantados nas mãos e nos
dedos. Bouton também espera ver a tecnologia aplicada em outros
pacientes, inclusive pessoas que sofreram um derrame; ele diz que isso é
apenas a “ponta do iceberg” em termos de potenciais aplicações.
Quanto a Burkhart, ele continuará a fazer o que ele puder para ajudar
no avanço da tecnologia e diz se sentir sortudo por estar envolvido
neste estudo.
“Curti cada segundo disso, e mesmo que não traga melhoras para mim ou
para o meu dia a dia, sei que o trabalho é parte de um problema maior
que pode beneficiar um monte de outras pessoas”, afirmou. “Muito
trabalho ainda precisa ser feito para resolver este problema de
recuperação de movimento, porém sinto que eu sou uma peça de um grande
quebra-cabeças, e estou feliz por fazer parte disso.”