O serviço de mensagens WhatsApp anunciou na terça-feira que uma
atualização do aplicativo permitirá criptografar integralmente todas as
comunicações, incluindo mensagens de voz e outros arquivos, entre seus
usuários.
Com o que chamam de "criptografia de ponta a ponta",
as mensagens são embaralhadas ao deixar o telefone da pessoa que as
envia e só conseguem ser decodificadas no telefone de quem as recebe.
"Quando você manda uma mensagem, a única pessoa que pode lê-la é a
pessoa ou grupo para quem você a enviou. Ninguém pode olhar dentro da
mensagem. Nem cibercriminosos. Nem hackers. Nem regimes opressores. Nem
mesmo nós", disse a empresa em um comunicado.
A privacidade das
comunicações em aplicativos de bate-papo tem sido objeto de decisões
judiciais polêmicas no Brasil e nos Estados Unidos. Entenda como o
anúncio do WhatsApp pode mudar o jogo:
1. Atinge muito mais pessoas
Antes, havia a possibilidade de que mensagens fossem interceptadas no
meio do caminho, caso a rede fosse invadida por hackers ou por agentes
de governos.
"O principal risco era a interceptação de conversas
em redes públicas, como wi-fi de cafeterias, que não sabemos exatamente
quem controla", disse à BBC Brasil Gabriel Aleixo, pesquisador de
criptografia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio).
"Agora, se alguma informação conseguir ser interceptada, a pessoa só
verá um bloco de texto sem sentido algum. Só quatro ou cinco governos no
mundo talvez consigam quebrar a criptografia que o WhatsApp
implementou. Para um hacker, a chance é muito pequena. É um sistema
bastante rigoroso."
Segundo Aleixo, cada mensagem enviada no
aplicativo – seja de texto, vídeo, foto ou áudio – é criptografada
usando uma única chave. Ainda que uma pessoa ou empresa quebre essa
chave e leia uma mensagem, não conseguiria ler a outra, mesmo que esteja
na mesma conversa.
Na prática, a experiência de quem usa o
aplicativo não muda. Nos bate-papos, aparece uma mensagem informando que
uma conversa está criptografada, a menos que o destinatário das
mensagens ainda não tenha atualizado o aplicativo.
Desde o
escândalo de espionagem do governo americano revelado por Edward
Snowden, aplicativos de mensagens como Telegram traziam algumas opções
de criptografia e, por isso, vinham se tornando os prediletos de quem
está mais preocupado com privacidade.
A Apple, por outro lado,
oferece criptografia de ponta a ponta nas mensagens trocadas em seu
serviço iMessage, disponível exclusivamente nos cerca de 800 milhões de
iPhones vendidos até hoje.
A novidade do WhatsApp, no entanto,
chegou de uma só vez para 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, que é a
sua base atual de usuários.
"A única empresa com mais acesso a
comunicações é o Facebook, que é o dono do WhatsApp. É uma coisa
extraordinária", disse à BBC Brasil Mario Viola, advogado especialista
em privacidade e big data do ITS-Rio.
A criptografia na nova
versão do WhatsApp é automaticamente habilitada para todos – exceto em
grupos ou conversas onde nem todos atualizaram o aplicativo.
E não é possível optar por não ter esta camada de segurança.
2. Dificulta (ainda mais) o cumprimento de ordens judiciais
No início do mês de março, o vice-presidente do Facebook para a América
Latina, Diego Dzodan, ficou preso por cerca de 24 horas em São Paulo
após mandado expedido por um juiz da cidade de Lagarto (SE).
A
Polícia Federal havia solicitado a quebra do sigilo de mensagens no
WhatsApp para uma investigação de tráfico de drogas interestadual. O
Facebook, no entanto, não liberou as conversas.
Em novembro de 2015, o aplicativo foi bloqueado no Brasil por 12 horas por um motivo semelhante.
"Eles não conseguiam obedecer as decisões judiciais justamente
porque já não armazenavam as mensagens. Agora, mesmo que o hacker ou uma
agência do governo tentasse entrar numa comunicação e interceptasse o
conteúdo, seria muito difícil compreendê-lo, por causa da criptografia. É
como um correio que não tem condição de abrir as cartas", explica
Viola.
O aplicativo já usava criptografia, em menor escala,
desde 2012. As mensagens de texto eram cifradas durante o curto período
em que ficavam armazenadas nos servidores da empresa.
Elas são apagadas dos servidores assim que são entregues ao destinatário.
"A partir de agora, a empresa pode comprovar, de maneira técnica, que
não tem acesso ao conteúdo das mensagens que transitam em seus
servidores. Fica mais fácil se defender das decisões judiciais", diz
Gabriel Aleixo.
3. Torna a vida de hackers e autoridades mais difícil (e a de ativistas ou criminosos que usam o app, mais fácil)
A Anistia Internacional disse que o anúncio representa uma "grande vitória" para a privacidade e a liberdade de expressão.
"Especialmente para ativistas e jornalistas que dependem em uma rede de
comunicações forte e confiável para continuar seu trabalho sem colocar
suas vidas em risco", disse a organização em nota.
Mas o anúncio
não deve ter agradado o Departamento de Justiça americano, que
recentemente se disse preocupado com a informação "inalcançável" contida
nos dispositivos. Questionado pela BBC, o Departamento não quis
comentar o tema.
No caso da prisão de Diego Dzodan, a Polícia
Federal brasileira argumentou que os criminosos "não fazem mais
ligações" e estão migrando para o aplicativo.
O delegado
regional de combate ao crime organizado de Sergipe, Daniel Hortas, disse
à BBC Brasil que "os criminosos migram para o WhatsApp porque sabem que
tem uma proteção de alguma forma".
Agora a proteção para eles
aumentou – como também aumentou para ativistas que se organizam por meio
do aplicativo em países onde há perseguição política e para cidadãos
que obedecem as leis.
"Encontrar o equilíbrio entre investigar
crimes e manter a privacidade das pessoas é difícil. É a pergunta de um
milhão de dólares", diz Mario Viola.
"Depois do caso Snowden as
pessoas têm preocupação maior com o governos podem fazer com as suas
informações. E casos pontuais de uso do aplicativo para cometer crimes
não justificam uma vigilância massiva."
Para o especialista,
ainda faltam estudos científicos mostrando que ter acesso a conteúdos de
conversas nas redes sociais é realmente essencial para investigações
criminais.
"Existem outras maneiras de investigar criminosos:
localizar os telefones que trocam mensagens, fazer escuta em linhas de
telefone não criptografadas ou mesmo tentar acessar os próprios
celulares", diz.
4. Faz com que proteger o celular seja mais importante
Apesar da criptografia, ainda é possível ter acesso às mensagens
trocadas no WhatsApp conferindo diretamente o celular de quem as enviou
ou recebeu.
Por isso, os especialistas alertam que é preciso atenção em como proteger o dispositivo.
"A criptografia amplia a confidencialidade das informações que as
pessoas trocam para lidar com assuntos de trabalho, fotos pessoais, etc.
Mas para a privacidade isso não basta", diz Gabriel Aleixo.
"É
preciso tomar uma série de outros cuidados com seu celular. Ter senhas
de acesso, antivírus, selecionar bem os aplicativos que usa e conferir
as permissões que eles instalam no seu celular."
Fonte: Uol