Logo quando chega ao trabalho pela manhã,
a primeira coisa que Sami Jarvi faz é tomar um copo de café para se
esquentar um pouco. Lá fora, a temperatura de -15 graus deixa uma
intensa e bonita camada de neve na cidade de Espoo (nos arredores de
Helsinki, capital da Finlândia), onde fica a sede da Remedy
Entertainment, conhecida por jogos como Max Payne e Alan Wake.
É nesse típico clima de inverno do norte europeu que Sami Jarvi – mais conhecido por nós pelo nome de Sam Lake – e
seu time estão nos retoques finais do inédito e esperado Quantum Break,
um jogo “cinemático” de ação em terceira pessoa que chega em 5 de abril
ao Xbox One e, a grande novidade, também ao Windows 10, na mesma data.
>>> Remedy explica como a parte live action de Quantum Break vai se conectar com o jogo
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Com pouco mais de três meses até o
lançamento, é de se esperar que os trabalhos na Remedy estejam tão
intensos quanto o frio finlandês, por isso quando Sam Lake – que é
diretor criativo no estúdio – termina de se aquecer com o seu café
matinal, ele passa por corredores com pôsteres de Max Payne e Alan Wake
para começar mais um dia ocupado de trabalho. “Nos últimos tempos, meus
dias têm sido só jogar Quantum Break diversas vezes o quanto for
possível”, fala Lake ao Gizmodo Brasil.
Parece um dia perfeito, não? Bom, nem
tanto assim. As jogatinas diárias têm o objetivo de saber se não há
nenhum detalhe do jogo faltando ou anotando os vários bugs que podem
aparecer antes do game estar realmente concluído. Fora que, sendo ele a
mente criativa do projeto, é justamente nessa etapa que surgem ideias
que podem melhorar a experiência ou aquele elemento que ficou pairando
por toda a produção, mas nunca foi implementado.
“Muitas vezes [essas ideias] são coisas
bem pequenas”, fala Lake. “Você pode até argumentar pra si mesmo que
ninguém iria perceber, mas pode ser que alguém perceba e isso faça a
diferença pra experiência de jogo dela”.

Quando o dia não é só jogar Quantum
Break, Lake pode passar horas em uma reunião atrás de outra com as
equipes de desenvolvimento, revisando cada aspecto do jogo para garantir
que nada esteja faltando, ou mesmo com os executivos da Remedy,
discutindo aspectos gerenciais do estúdio. “Se for um dia bom temos um
tempo para o almoço”, comenta.
Tempo, aliás, é a palavra que define bem
tudo em volta de Quantum Break, tanto dentro quanto fora do jogo.
Controle do tempo é o tema central do novo game, algo que faz parte da
narrativa como também da jogabilidade. A ironia é que, de certa forma, a
própria Remedy foi vítima do tempo durante o desenvolvimento do jogo.
Tempo adiado
Quantum Break foi revelado em 2013,
durante o anúncio do Xbox One, como uma experiência formada por jogo e
um seriado de TV, onde um influenciaria os acontecimentos do outro.
Porém, como exatamente essas duas mídias iriam interagir ainda deixavam
muitas dúvidas.
O jogo estava marcado para sair
originalmente na janela dos primeiros lançamentos de Xbox One, em 2014, o
que não aconteceu. Naquela altura a Remedy já estava trabalhando há
dois anos no game e foi nessa época que Mikael Kasurinen entrou para o
projeto como diretor do jogo. Ele já era conhecido da casa, por ter
trabalhado em Max Payne 2 e Alan Wake, mas tinha saído da empresa em
2010 para ir para a Avalanche Studios (responsáveis por Just Cause) e
depois DICE, sendo o design chefe em Battlefield 4.
Após aceitar o convite de Sam Lake para
retornar e liderar o projeto de Quantum Break, o que Kasurinen encontrou
foi um jogo que ainda precisava de tempo e trabalho para estar pronto.
“O que tínhamos era a ideia básica do
jogo e os elementos principais, mas ainda havia muito a ser feito na
parte de game design, como os poderes de manipular o tempo. O que eram
eles exatamente? Como funcionariam? Havia só algumas ideias aqui e ali”,
fala o diretor. “A mesma coisa para os tipos de inimigos, muitas partes
do gameplay ainda precisavam ser definidas. Então quando entrei comecei
a juntar esses elementos para formar essa experiência”.

Quantum Break já tinha pulado 2014 e
estava marcado para sair em algum momento de 2015, mas foi de novo
adiado, com a desculpa de que o jogo não conseguiria se encaixar com a
data dos outros grandes lançamentos que o Xbox One teria no final do
ano, como Forza 6, Halo 5 e Rise of the Tomb Raider. Agora, com a nova
data de 2016 firmada, a Remedy aproveitou para revelar algumas mudanças
significativas no jogo, com a troca dos principais personagens por
atores conhecidos do público.
O herói Jack Joyce agora era interpretado
por Shawn Ashmore – o homem de gelo dos primeiros filmes dos X-Men – e o
ator Aidan Gillen – o Mindinho de Game of Thrones – era o vilão Paul
Severe. Outra personalidade presente no game é Dominic Monaghan, de Lost
e O Senhor dos Anéis. Eles aparecem tanto em suas formas digitais no
jogo como em carne e osso na série live action, dando ainda mais o tom
cinematográfico para a experiência.
Essas mudanças quase bruscas no conteúdo
do jogo podem ter sido influenciadas pelo fechamento – ainda em 2014 –
da Xbox Entertainment Studios, um braço interno da Microsoft responsável
por produzir séries e documentários exclusivos para o console. Na época
a empresa afirmou que o fechamento da divisão não iria impactar Quantum
Break, mas a Entertainment Studios já tinha produzido a websérie Halo:
Nightfall e era esperado que fosse ela a responsável por fazer também a
parte live action de Quantum Break.
Pelo menos mais informações da série
começaram a ser reveladas a partir de então. A produção dos episódios
live action ficou nas mãos da desconhecida Lifeboat Productions, sendo
filmado em estúdios em Los Angeles e no Reino Unido, com uma parte sendo
feita até nos próprio estúdio da Remedy, principalmente em relação a
captura de movimento dos atores. A dúvida de como ela iria dialogar com o
jogo também foi melhor esclarecida, inclusive explicamos tudo isso
direitinho quando Quantum Break foi apresentado na Brasil Game Show do
ano passado.
Com episódios de 20 minutos apresentados
sempre ao final de cada capítulo do jogo, o objetivo de Quantum Break (a
série) é dar uma profundidade maior aos antagonistas, justificando seus
atos e mostrando que nem tudo é “preto no branco” nessa história. “Você
pode não concordar com as intenções deles, mas pelo menos você constrói
um plano de fundo para esses caras e os entende”, fala o diretor do
jogo, Mikael Kasurinen. “É isso que cria o drama e a melhor experiência
possível”.
Então, finalmente chegamos ao tempo
presente, quatro anos depois do início do desenvolvimento do jogo e com
atrasos, mudança de elenco e o arriscado conceito de juntar série de TV e
game. Será que o esforço da Remedy valeu a pena?
Tempo é poder
Sam Lake gosta de falar que Quantum Break
é o jogo definitivo da Remedy. A afirmação é uma típica frase de
marketing e soa até mesmo um pouco prepotente, mas nesse caso tem um
fundo de verdade. Após uma prévia com as primeiras horas do jogo, todo o
entusiasmo que víamos nos desenvolvedores foram justificados. A versão
testada durante a visita ao estúdio ainda estava com alguns bugs de
animações e quedas na performance, mas já dava para notar que estávamos
com um produto de qualidade em mãos.

Os jogos da Remedy sempre tentaram unir
uma forte narrativa com um gameplay inovador. Era a estética noir com a
mecânica de bullet time de Max Payne ou o tom sobrenatural e a
jogabilidade de luz e sombra de Alan Wake. Porém, é com Quantum Break
que esses dois elementos parecem dialogar da melhor forma entre si.
Com um clima bem de ficção científica, em
Quantum Break o tempo está “quebrado” depois que uma experiência de
viagem no tempo deu errado. Por causa desse colapso ,o protagonista Jack
Joyce e o antagonista Paul Severe ganham suas habilidades temporais.
Agora, Jack tenta consertar o tempo enquanto é caçado pela empresa de
Severe, a Monarch.
O tempo, como diz o slogan, é poder e o
mérito do game é justamente conseguir traduzir isso em uma mecânica de
jogo que o torna não só interessante como também divertido. Brincar com
os poderes de manipulação do tempo é onde está a graça em jogar – seja
avançando para despistar os inimigos, fazendo tudo ficar parado em
determinadas áreas ou mesmo criando um campo protetor em volta de si.
Sem isso, Quantum Break poderia muito bem ser confundido com qualquer
game de ação com combate de “murrinhos” e ondas de inimigos.
Não se engane, porém, em pensar que esses
poderes temporais são uma evolução do que era o Bullet Time de Max
Payne. Segundo o diretor Mikael Kasurinen, eles têm conceitos bem
distintos. “O Bullet Time no Max Payne era mais um elemento adicional,
não há muito um contexto para ele no jogo, simplesmente está lá”, fala. “Já
no Quantum Break [o poder de manipulação do tempo] é diferente porque
ele é que constrói todo o jogo e isso acontece não para tentar fazer o
Bullet Time de novo e sim para contar a história em volta da ideia do
Tempo”.
Se o conceito de tempo conseguiu ser
transformado em jogabilidade, ele também é uma ferramenta narrativa
quando o jogador é confrontado com escolhas que vão deixar o futuro de
um jeito ou de outro. Os trechos em que essas escolhas acontecem,
chamadas “Junction Points”, são bem diretas: aperte um botão e o futuro A
acontece, o outro e o futuro B é que se torna verdadeiro.
O interessante é que essas escolhas, mais
do que afetar o que acontece na história, já se mostram um estímulo
para se jogar pelo menos duas vezes o jogo, nem que seja para assistir
um episódio “alternativo” da série de TV.
É nessa união bem equilibrada entre um
game divertido de jogar, com uma história interessante de acompanhar e,
principalmente, de interagir é que faz com que a primeira impressão com
Quantum Break seja a melhor possível e, quem sabe, ele realmente seja o
jogo que a Remedy vem se preparando todos esses anos para produzir.
A primavera de Fargo
Quando Quantum Break for lançado em
abril, o frio do inverno já terá dado lugar ao calor aconchegante da
primavera na Finlândia. Com os dias também se tornando mais tranquilos,
Sam Lake vai poder voltar a ser só o Sami
Jarvi que quer tirar o atraso de tantos jogos que deixou passar no
último ano. “Tem uma pilha enorme de jogos me esperando em casa e que
devo jogar assim que o projeto for lançado”, diz. Como alguém ligado a
histórias e narrativas, no topo dessa pilha há jogos como The Witcher 3,
Life is Strange e Until Dawn.
Porém, o que ele parece mais empolgado em
fazer é também acompanhar programas de TV que gosta, em especial o
início da terceira temporada de Fargo, a sua serie favorita nos últimos
tempos. “Pela visão de um roteirista que sou, você normalmente já sabe
como é a estrutura de uma história e acaba ficando chato”, desabafa.
“Mas ultimamente as séries estão ficando mais imersivas e você não sabe
quem vai morrer, o que vai acontecer e fica nervoso. Eu gosto muito
disso”. Talvez daí tenha vindo alguns dos conceitos que estão sendo
aplicados na série de Quantum Break e seus futuros manipuláveis pelo
jogador.

Videogames e séries de TV. Bem, parece
que de certa forma Sam Lake vai continuar ligado a Quantum Break. Pelo
menos muitos jogadores certamente também vão estar daqui a alguns meses
quando ele chegar ao Xbox One e Windows 10. Uma boa notícia para quem
for escolher
a versão de consoles é que Quantum Break
virá com uma cópia digital de Alan Wake e suas duas expansões, The
Signal e The Writer, de graça, por meio da retrocompatibilidade do Xbox
One.