A consulta pública da Anatel para ‘tomada de subsídios’ ao processo
de regulamentação da neutralidade de rede, como prevê o Marco Civil da
Internet, mais uma vez demonstrou que esse debate está dominado pela
questão dos acessos gratuitos, ou planos patrocinados, ou, ainda, ‘zero
rating’. O tema foi frequentemente mencionado mesmo nas contribuições
que não tratavam das questões sobre modelos de negócios.
Longe de ser uma exclusividade brasileira, planos
de acessos gratuitos estão se disseminando em diversos países,
especialmente por contar com patrocinadores de peso como Facebook e
Google e operadoras móveis de grosso calibre em todos os continentes.
Mas se a prática se difunde, crescem as críticas.
No Brasil, diversas entidades criticaram um suposto entendimento da
presidenta Dilma Rousseff com o dono do Facebook, Mark Zuckerberg, em
prol do Internet.org no Brasil. Nesta semana, o próprio Zuckerberg foi
destinatário de uma carta aberta de 65 entidades em 30 países, onde
apontam que “o acesso aos pobres aparece como justificativa para
violações à neutralidade de rede”.
É justamente aí o forte do debate no Brasil, que
aguarda a regulamentação do artigo 9o do Marco Civil – onde se define
que a regra é a neutralidade de redes, mas permitem-se exceções. Em
tese, são exatamente as exceções o foco da regulamentação a ser feita
por Decreto presidencial, ouvidos Anatel e o Comitê Gestor da Internet
no Brasil, CGI.br.
Sem surpresas, as teles defendem que os planos de
acesso gratuito ou patrocinados sejam liberados. Diversas contribuições –
Claro, Vivo, Tim e Sky, além de seus sindicatos empresariais e empresas
de tecnologia como Ericsson e Qualcomm – insistem que esse tipo de
plano não fere a neutralidade e, portanto, não há por que ser
considerado como uma violação a ela. A Claro sintetiza bem esse
raciocínio:
“Ofertas que não cobram do usuário o acesso a
algumas aplicações, conteúdos e serviços não violam a neutralidade. Não
degradam nem limitam acesso a nada. Se o usuário contratou um plano de
acesso à Internet com uma determinada franquia e se algumas aplicações
não geram débitos aos créditos contratados, neste caso não há nenhuma
relação entre a prática da não cobrança com o conceito de neutralidade
de rede, pois nenhum privilégio de tráfego é dado aos pacotes
direcionados ou recebidos referentes à referida aplicação.”
Além de usarem aquele encontro de Dilma com
Zuckerberg como argumento, as empresas batem no que pode muito bem ser o
coração do debate: a neutralidade de rede é um conceito técnico em que
todos os pacotes de dados devem ser tratados igualmente, enquanto o
‘acesso gratuito’ envolve uma questão muito mais ligada à práticas
anticompetitivas (ou não, como defendem). Ou seja, não caberia ao Marco
Civil ou sua regulamentação se envolver com algo que seria mais afeito
aos órgãos antitruste.
“O Marco Civil propugna diversas ações em prol da
Internet abrangente e para todos, mas não é um marco
econômico/estratégico/concorrencial. Ele não cuida da inclusão na rede,
não cuida dos preços praticados e de se há ou não concorrência em
quantidade e qualidade adequadas. E não cuida de modelo de negócios”,
pontua uma das 110 contribuições à consulta da Anatel.
Não é Internet
Diferentemente dos setores organizados, as críticas
ao ‘acesso gratuito’ na consulta da Anatel foram lideradas por pessoas
que enviaram suas sugestões. Elas sustentam que “o indivíduo fica preso
ao conteúdo patrocinado e a ele resume a sua experiência na internet.
Isso leva à equivocada sensação de que a população está tendo acesso à
internet, quando, na verdade, apenas o número de isolados na ilha do
Facebook é crescente”.
Ou, ainda, que, “embora ofertando gratuidade em
determinado serviço de uma empresa, o mesmo serviço prestado por uma
concorrente estará sendo economicamente discriminado”. “Embora
aparentemente favoreçam os usuários, têm efeitos devastadores na
competição para outros prestadores de aplicações não envolvidos no
acordo”.
A Proteste, associação de defesa dos consumidores
lembrou o jargão comum em diferentes setores econômicos de que ‘não
existe almoço grátis’. “O preço pelo zero-rating será pago com a
violação à privacidade dos usuários e com a violação ao direito de
liberdade de expressão”.
A crítica mais estruturada aos planos gratuitos
veio do maior portal brasileiro, o UOL, do grupo Folha. “Tratar o acesso
a determinados conteúdos de forma mais vantajosa que outros se enquadra
igualmente no proibitivo de tratamento não isonômico, e, como se não
bastasse, resulta num bloqueio velado, pela via econômica, algo mortal
ao conceito de isonomia e de não distinção entre pacotes.”
Para o UOL, também vale lembrar que não são os
usuários da Internet que escolhem quais serão os sites que eles poderão
visitar ‘gratuitamente’. “Esse mecanismo evidencia uma preferência, uma
escolha por uns em detrimento de outros, escolha que não será feita pelo
usuário, cuja liberdade de informação e expressão, dentre tantos outros
direitos, foi tão enfatizada pelo Marco Civil da Internet”.
Fonte: Convergencia Digital