"Minecraft", o mundo virtual que a maioria dos pais simplesmente não
entende como funciona, é oficialmente o jogo de maior audiência de
todos os tempos no YouTube.
Segundo o portal de vídeos, o nome
do game, uma espécie de Lego digital que permite ao jogador construir
mundos virtuais, tornou-se o segundo termo mais buscado no site, atrás
apenas de "música".
Isso vai de encontro com pesquisas
anteriores feitas pelas empresas Newzoo e Octoloy, que haviam
identificado que vídeos relacionados a "Minecraft" haviam sido vistos
3,9 bilhões de vezes no YouTube apenas em março passado.
Nada
disso é uma surpresa para os pais de meninos e meninas que se
acostumaram a suplicar para que seus filhos fechem as janelas de
"Minecraft" no computador para andar de bicicleta, jogar bola, ir para a
praça ou fazer qualquer outra coisa além de passar horas assistindo a
outras pessoas construírem mundos virtuais pela internet.
Entusiasmo ou obsessão?
É um fato que muitos pais se preocupam com os diferentes níveis de
entusiasmo/obsessão/vício demonstrados por seus filhos ao jogarem
"Minecraft", como mostram muitos posts em redes sociais e em
reportagens.
Os pais reclamam que o jogo parece ter se tornado o
centro da vida destas crianças; que elas ficam irritadiças quando não
estão "ligadas" no jogo, que se mostram displicentes em relação aos
deveres da escola e a tarefas do dia a dia em suas casas. Alguns
decidiram proibir completamente o jogo ou limitar fortemente o tempo das
partidas.
Um destes pais, ao explicar por que restringiu o
acesso de seus dois meninos gêmeos ao game, simplesmente disse:
"´Minecraft´, assim como os principais vícios, não tem fim. Por sua vez,
a infância de meus filhos não é infinta, e quero que eles a passem
aprendendo sobre o mundo real, não sobre um mundo virtual".
Mas, para outros, o jogo não faz mal às crianças - contanto que, ao
menos, façam algo criativo. Mas passar horas e mais horas assistindo a
outras pessoas jogarem representa um nível inédito de obsessão.
Reprodução
Um dos vastos ´mundos´ do jogo ´Minecraft´
Vasto conteúdo
Com certeza, há um vasto catálogo de conteúdo relacionado a
"Minecraft" no YouTube. São cerca de 42 milhões de vídeos, de clipes que
dão o passo a passo para construir coisas novas ou novas formas de
modificar mundos já existentes àqueles que simplesmente mostram
gravações de partidas.
Também há centenas de canais dedicados a
"Minecraft". Alguns deles tornaram-se sensações na internet, como o
Yogscast e SkyDoesMinecraft.
Stampy, voltado para crianças , é
um canal no YouTube que conta com narração de um gato; ele tem mais de
5,6 milhões de assinantes e quase 3,4 bilhões de visualizações. Em 2014,
foi o quarto canal mais popular do YouTube.
Outros são menos adequados para crianças, com vídeos descritos por pais como "úteis, mas cheios de palavrões".
Bec Oakley, fundadora do "MineMum", um blog que ajuda pais a entenderem
o que é o "Minecraft", diz não se surpreender pelo fato de o jogo ter
se tornado tão popular no YouTube.
"O YouTube é a televisão
desta geração. É como crianças se entretêm, aprendem e compartilham.
Além disso, há muito conteúdo disponível e grande parte dele é atraente,
educacional e útil para crianças."
Ela reconhece que
"Minecraft" é "definitivamente um jogo com o qual as crianças podem
ficar obcecadas e assistir a partidas no YouTube pode ser parte desta
obsessão". Mas acrescenta que não acredita que isto seja um sinal de um
problema maior.
"Um fator mais importante é o tempo gasto com isso e os efeitos causados no humor e na saúde da criança", afirma Oakley.
"É importante que pais ajudem seus filhos a aproveitar o ´Minecraft´ de
forma saudável, conversando com eles sobre como saber a hora de fazer
intervalos e estabelecendo regras, recompensando-os quando elas foram
cumpridas."
Comunidade
Mas o que torna o "Minecraft" tão popular para tantas crianças?
A Mojang, empresa sueca criadora do jogo que foi comprada pela
Microsoft no ano passado, não o desenvolveu especificamente para o
público infantil.
Segundo o programador e designer Markus
Persson, idealizador do game, o "Minecraft" foi inspirado em outros
jogos, como o "Dawrf Fortress", no qual mundos virtuais podem ser
construídos e administrados, o simulador de parques de diversões
"RollerCoaster Tycoon" e o game de estratégia "Dungeon Keeper".
Mas a Mojang sempre incentivou os jogadores a colocarem seus próprios vídeos no YouTube.
E, diferentemente da empresa japonesa Nintendo, que monitora clipes que
usem seus personagens e games para exigir a receita de publicidade
obtida com eles, a Mojang sempre abordou este tipo de comportamento de
forma menos rígida.
"Basicamente, terceirizamos os vídeos no
YouTube para a comunidade de milhões de pessoas, e elas criaram algo
mais criativo que jamais poderíamos fazer por conta própria. Isso não
nos prejudica", disse Vu Bui, diretor de operações da Mojang ao jornal
"The Guardian" no ano passado.
Ao mesmo tempo em que
"Minecraft" explodiu em popularidade, o mesmo ocorreu com o YouTube
entre espectadores mais jovens - em fevereiro de 2015, nove dos 20
canais mais assistidos do portal eram voltados para este tipo de
público.
"Assistir a outras pessoas jogando ´Minecraft´ permite
às crianças ampliarem a experiência que têm com o game, ao poder
compartilhar e aprender uns com os outros", diz Oakley, do blog
"MineMum".
Efeitos no cérebro
Também houve estudos, alguns deles controversos, que analisam os efeitos de videogames no cérebro.
Pesquisadores na China fizeram, por exemplo, exames de ressonância
magnética no cérebros de 18 universitários que passavam uma média de dez
horas por dia jogando "World of Warcraft", um RPG online.
Em
comparação com outro grupo que passava menos de duas horas por dia
jogando, o primeiro apresentou menos massa cinzenta, a parte do cérebro
responsável pelo raciocínio.
E, no início dos anos 1990,
cientistas alertaram que, como videogames estimulam as regiões do
cérebro que controlam a visão e o movimento, outras partes responsáveis
pela emoção e o aprendizado poderiam ficar menos desenvolvidas.
Em termos de pesquisas específicas sobre "Minecraft", um artigo
assinado pelos psicólogos Jun Lee e Robert Pasin na revista "Quartz"
sugere que ele pode não ser tão criativo como alguns pais esperam.
"A criatividade é limitada pelas combinações de ferramentas e materiais
disponibilizados pelo jogo para a construção de mundos. Então os
jogadores têm apenas uma missão: criar estruturas cada vez mais
complexas. Apesar de isso parecer ser uma experiência muito criativa,
crianças que estudamos relataram se sentir irritadas e com emoções à
flor da pele após partidas de ´Minecraft´."
O jogo, segundo os
pesquisadores, é "menos sobre um jogo com infinitas possibilidades e
mais sobre trabalhar para cumprir infinitas tarefas de construção".
E este fenômeno, em que jogadores passam muito tempo assistindo a
partidas no site, ocorre com outros jogos. Como, por exemplo, meu filho,
que nunca foi fã de "Minecraft" e gosta de assistir partidas de "Fifa
Soccer", às vezes por horas a fio.
Crianças costumam ficar
obcecadas com certas coisas. Há uma longa lista de brinquedos e games
que se tornaram uma obsessão para elas, apenas para serem descartados
sem cerimônia alguns anos depois.
Talvez este acabe sendo
também o destino de "Minecraft", e as crianças voltem a assistir vídeos
de animais fofinhos no YouTube como qualquer outra pessoa comum.
Fonte: Uol