APESAR DE PIONEIRISMO COM MARCO CIVIL, BRASIL PECA NA PROTEÇÃO DE DADOS
5/11/2015
O Brasil pode ser considerado um país inovador com a adoção do Marco Civil da Internet, sancionado em abril de 2014, mas ainda está muito atrasado quando o assunto é a proteção de dados pessoais de seus cidadãos, segundo a avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL Tecnologia.
Atualmente, mais de 100 países --entre eles potências como Alemanha e
França, assim como nações mais próximas à realidade brasileira como
Uruguai, Argentina e Paraguai-- estão amparados legalmente em relação à
proteção dos dados de seus habitantes, alguns deles desde a década de
1970.
O Brasil, em contrapartida, prolonga a fase de debate público por cerca
de cinco anos e ainda parece estar longe de conseguir estabelecer as
diretrizes sobre a coleta, o armazenamento e o tratamento tanto de dados
pessoais --aqueles que podem identificar um indivíduo--, como de dados
pessoais sensíveis, que são caracterizados pela possível discriminação
do seu titular, ou seja, opção sexual, convicções religiosas,
filosóficas ou morais.
O primeiro debate público do anteprojeto da lei foi aberto em 2010 e
durou cerca de 90 dias. Mas, segundo Renato Leite Monteiro, advogado
especialista em direito e tecnologia do escritório Opice Blum, o tema
ficou esquecido nos últimos cinco anos e só voltou à tona diante dos
frequentes escândalos de vazamento de dados, como o do caso Edward
Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA. "Se houver um interesse
político, os trâmites burocráticos podem ser mais rápidos e demorar o
mesmo tempo do Marco Civil da Internet. Ou seja, cerca de quatro anos",
apontou ele.
"Não sei se o tempo é o que mais interessa", contestou Juliana Pereira,
secretária nacional do Consumidor do Ministério da Justiça. Na opinião
de Juliana, o conceito de privacidade e a sensibilidade sobre o tema
mudaram significativamente nos últimos anos. "Atualmente temos muito
mais histórico acumulado que ajudar muito no enriquecimento do debate e
na criação de uma lei muito mais adequada às necessidades atuais".
Embora reconheça o atraso do país, Carlos Affonso, diretor do ITSrio
(Instituto de Tecnologia e Sociedade) e professor da UERJ (Universidade
Estadual do Rio de Janeiro), acredita que a criação tardia da lei pode
acabar sendo favorável. "Enquanto muitos países europeus estão
rediscutindo suas regras para readequá-las as atuais necessidades da
sociedade, o Brasil tem a oportunidade de discutir uma lei que tende a
ser mais durável, mais clara e, consequentemente, com maior
aplicabilidade."
Mas, mesmo sem uma lei geral, Juliana disse acreditar que o Brasil
manteve uma evolução no tratamento de dados pessoais com ações
específicas. E para exemplificar sua afirmação, a secretária citou o
próprio Marco Civil, que estabelece os princípios de proteção desse tipo
de informação especificamente no mundo virtual.
Há ainda a lei de Cadastro Positivo, que abordam à questão no que diz
respeito a concessão de crédito, bem como o Código de Defesa do
Consumidor, que especifica as diretrizes nas relações comerciais.
"Há, porém, uma gama de situações que estão descobertas e desamparadas
pela legislação brasileira", afirmou Marilia Maciel, professora do
Centro Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da FGV (Fundação
Getúlio Vargas), ao defender a necessidade de uma lei mais gerai para a
proteção de dados pessoais, que não se restringem às informações que
circulam na internet, mas a todos aqueles cadastros automatizados
parcial ou totalmente de um dentista, de um contador ou até de uma loja
de roupas.
"Em um cenário onde a quantidade de informações disponíveis,
principalmente em meios eletrônicos, cresce exponencialmente ano a ano,
surge a demanda por um diploma legal que tutele direitos fundamentais
como a liberdade, igualdade e privacidade pessoal e familiar",
acrescentou Eduardo Neger, presidente da Abranet (Associação Brasileira
de Internet), que destacou a importância da consulta pública para o
debate e o entendimento dos impactos da legislação proposta em todos os
aspectos do cotidiano do cidadão e no desenvolvimento tecnológico das
empresas. "O ordenamento jurídico deve buscar o equilíbrio de forma a
não inibir a inovação, a competitividade internacional e o
desenvolvimento em empresas de base tecnológica da área de tecnologia da
informação, comunicação e Internet."
Com duração de 30 dias, com a possibilidade de ser prorrogado, o
segundo debate público do anteprojeto já recebeu mais de 300
contribuições em menos de uma semana, segundo Juliana. "Em 2010, nos 90
dias do debate recebemos 800 relatos. Achamos que 30 dias seja
suficientes, mas já tivemos diversos pedidos de prorrogação", disse ela,
que explicou que as considerações serão analisadas por um grupo de
trabalho composto por especialistas de proteção ao consumido, membros da
sociedade civil, professores e representantes de órgãos públicos.
Essa mesma equipe ligada ao Ministério da Justiça também será
responsável pela criação do texto-base do projeto de lei, que será
apresentado o Congresso. "Nossa meta é entregar esse documento ao poder
legislativo ainda em 2015. Não temos como prever, no entanto, quanto
tempo vai durar para o projeto passar por todas as instâncias
necessárias, antes da sanção presidencial", afirmou Juliana.
Pontos polêmicos podem arrastar discussão
Há alguns pontos polêmicos que podem causar divergências políticas e
arrastar a discussão no Congresso Nacional. O principal deles, como
apontou Monteiro, é a criação ou não de um Conselho Nacional de Proteção
de Dados Pessoais. "Na segunda versão do anteprojeto apresentado pelo
Ministro da Justiça, o termo Conselho Nacional de Proteção de Dados
Pessoais foi substituído por órgão competente. Não sabe, portanto, quem
será esse órgão, tampouco a autoridade que ele terá. Essa
responsabilidade ficará a cargo do Ministério da Justiça? Ou seria uma
agência independente?", questiona o advogado.
Das alterações da primeira para a segunda versão, Monteiro cita ainda
outros nove pontos, que passam desde a ampliação do conceito de dado
pessoal, a permissão do tratamento dos dados sensíveis mediante
consentimento [antes vedado] e a inclusão da possibilidade de se negar o
tratamento de dados pessoais, até a obrigatoriedade de um responsável
pelas políticas de tratamento de dados (antes restrita a empresas com
mais de 200 funcionários) e a inclusão de uma reponsabilidade subjetiva
diante do vazamento de informações. O prazo para as empresas e órgãos
públicos se adequarem a lei, caso seja aprovada, também foi ampliado de
90 dias para 120 dias.
Outra polêmica, segundo Affonso, está relacionada ao tratamento de
grande volume de dados. "Se os dados forem anonimizados poderão ser
divulgados sem a prévia autorização?", questiona o professor que lembra
que nem sempre a empresa que coleta as informações é a mesma que trata
os dados. "Nesses casos, como deverá ser definida as políticas e os
temos de privacidade."
Para o presidente da Abranet, a internet também será destaque nas
discussões: "até pela imensa quantidade de dados que nela circulam
diariamente", justificou Neger. "As aplicações atuais e principalmente o
desenvolvimento e inovação nas aplicações futuras na Internet, como Big
Data e Internet das Coisas, poderão ser impactadas neste processo".
Fonte: Uol
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